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“...pinto porque só consigo participar do mundo real

 

 quando nele interfiro e o modifico.”

 

Miguel Gontijo 

 

 

Manuel Carvalho e Gustavo Maia consolidam nesta exposição um encontro iniciado em 2009.Tendo em vista a afinidade existente entre estes dois artistas, os trabalhos apresentados irão de encontro a um pensamento circundante no momento atual em diversos setores: seja nas artes, na política, na vida do homem urbano como um todo. A idéia de que estamos todos interconectados em uma rede infinita de possibilidades virtuais e reais. E neste crescimento e a ampliação das redes globais, se torna cada vez mais importante o indivíduo desenvolver uma enorme força própria para poder se afirmar nesse processo.

Neste contexto que se apresenta este trabalho. Dialogando as linguagens, cada artista apresenta a seu modo os argumentos propícios para proporem esta reflexão. Gustavo Maia cria o fundo da tela ou cenário, utilizando imagens do excesso de informações com as quais somos bombardeados todos os dias (mídias virtuais, propagandas, spams); Manuel Carvalho insere figuras que transitam e interagem nesse meio ao mesmo tempo em que se encontram centradas nelas mesmas.  

A série Spam é um exemplo claro disso: pretende refletir sobre este excesso de informações, a esse emaranhado de visões que somos submetidos nas redes virtuais, ocorrendo assim um contraste entre o excesso ordinário e individual. Quem somos nós em meio esse turbilhão de imagens disparadas em nossas mentes todos os dias?

“Quem sou eu? De onde vim? Para onde vou? A emoção da memória pessoal não só na arte como na vida contemporânea de um modo geral são bandeiras de resistência, 

demarcações de individualidade. Impressões digitais que se contrapõem teimosamente, a um panorama de comunicação à distância e tecnologia virtual, que tende a anular, gradualmente, noções de privacidade.”1 

Caspar David Friedrich (1774-1840) foi um dos principais representantes do Romantismo alemão, movimento que fazia referencia ao homem diante do sublime, este entendido como beleza e fascínio; o humano diante da grandiosidade da natureza a ser descoberta, o desafio do desconhecido. As paisagens pintadas por este artista, que nessa época eram comumente a natureza, remetiam ao sentimento de inferioridade do ser humano diante de tamanha grandiosidade. Neste momento, nos primórdios do século XXI, esta paisagem aparece em outro contexto: o que nos afronta, o que nos parece ameaçador, o que nos é desconhecido agora tem outra forma. E esta é a principal referencia destes artistas.

Como em Argan2: “A poética do ‘sublime’ exalta na arte clássica a expressão total da existência; o individuo que paga com a angústia e o pavor da solidão a soberba do seu próprio isolamento... a existência tem de encontrar seu significado no mundo: ou se vive da relação com os outros e o eu se dissolve numa relatividade sem fim, e é a vida, ou o eu se absolutiza e corta qualquer relação com o outro, e é a morte.” 

Afirma-se com isso, a autonomia da arte, de ter como proposições e questionamentos o cenário atual em que nos encontramos e que caminhos podemos ainda chegar. Também o artista assumindo a responsabilidade do seu agir e não se abstraindo da realidade histórica: “declara explicitamente, pelo contrário, ser e querer ser do seu próprio tempo, e muitas vezes aborda, como artista temáticas e problemáticas atuais.” 

Ainda como nos sugere Argan, "o sublime é visionário, angustiado”: desenhos de traços fortemente marcados, gestos excessivos, e a figura sempre fechada num emaranhado 

esquema geométrico que aprisiona e anula seus esforços.

A arte, e neste caso, o trabalho destes artistas, se mostra também como procura, entre individuo e coletividade, de uma solução que não anule o uno no múltiplo, nem a liberdade na necessidade.

 

1  GONTIJO, Miguel. Miguel Gontijo: pintura contaminada. Belo Horizonte. Vallourec&Mannesmann do Brasil, 2009. 

 

2 ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna: do iluminismo aos movimentos contemporâneos. São Paulo: Companhia das 

 

Letras, 1992. 

 

Ana Luiza Neves

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